
A Pipoca e sua Relação com o Submundo
Sempre fui apaixonada por pipoca. Para mim o ato de comer pipoca está envolto em uma energia de leveza, descontração e quase sempre representa ter momentos de felicidade e conexão com amigos, família, filmes e personagens que temos apreço. No meu caminho espiritual a pipoca surgiu como uma das provocações de Perséfone, que me impeliu a comer pipoca como ato de trazer alegria e diversão para minha vida, curando a minha criança interior. Meu amor por esse alimento só aumentou com os estudos de botânica e culinária bruxesca. Pois descobri na pipoca, um alimento incrível repleto de propriedades mágicas curiosas.
O milho foi descoberto há mais de 10 mil anos e era utilizado por diversas civilizações como oferenda aos deuses. Na Grécia Antiga o milho era um grão usado em rituais de comunhão com divindades relacionadas a plantio e colheita, sendo fortemente ligado a Deméter, deusa da agricultura e mãe de Perséfone. Deméter era frequentemente representada com uma coroa ou feixe de trigo e milho.
Já a pipoca, aqui no Brasil é muito usada por indígenas para proteção, além de ser um dos alimentos mais usados no candomblé, oferecido a Omulu, orixá da cura. A pipoca se mostrou para mim um grão necromante, pois é utilizada na magia para ajudar os espíritos aprisionados nesse plano a se desprenderem da matéria. Também é utilizada para reerguer a energia de pessoas doentes e levantar nosso astral. Uma das práticas do candomblé é forrar o teto com pipocas pedindo cura a Omulu, para que ele ajude espíritos em aflição ou pessoas doentes a levantarem-se em alegria como a pipoca.
Mas foi na literatura poética de Rubem Alves, que eu me deleitei ao sentir o quanto a pipoca é um grão ctônico e tinha relação com a natureza de Perséfone, Hades e o submundo:
“As comidas, para mim, são entidades oníricas. Provocam a minha capacidade de sonhar. Nunca imaginei, entretanto, que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu. A pipoca, milho mirrado, grãos redondos e duros, me pareceu uma simples molecagem, brincadeira deliciosa, sem dimensões metafísicas ou psicanalíticas. Entretanto, dias atrás, conversando com uma paciente, ela mencionou a pipoca. E algo inesperado na minha mente aconteceu. Minhas ideias começaram a estourar como pipoca. Percebi, então, a relação metafórica entre a pipoca e o ato de pensar. Um bom pensamento nasce como uma pipoca que estoura, de forma inesperada e imprevisível. A pipoca se revelou a mim, então, como um extraordinário objeto poético. Poético porque, ao pensar nelas, as pipocas, meu pensamento se pôs a dar estouros e pulos como aqueles das pipocas em uma panela. Lembrei-me do sentido religioso da pipoca. A pipoca tem sentido religioso? Pois tem. Para os cristãos, religiosos são o pão e o vinho, que simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque vida, só vida, sem alegria, não é vida…). Pão e vinho devem ser bebidos juntos. Vida e alegria devem existir juntas. Lembrei-me, então, de lição que aprendi com a Mãe Stella, sábia poderosa do Candomblé baiano: que a pipoca é a comida sagrada do Candomblé…A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido.
Fosse eu agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é que, do ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve alguém que teve a ideia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos. Havendo fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém jamais poderia ter imaginado. Repentinamente os grãos começaram a estourar, saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa, brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente as crianças. É muito divertido ver o estouro das pipocas!
A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo da grande transformação porque devem passar os homens para que eles sejam o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, pelo poder do fogo podemos, repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltar a ser crianças! Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo. Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira. São pessoas de uma mesmice e dureza assombrosa. Só que elas não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro. Pânico, medo, ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos.Há sempre o recurso aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a possibilidade da grande transformação. Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela, lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer. De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino diferente. Não pode imaginar a transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece: PUF!! — e ela aparece como outra coisa, completamente diferente, que ela mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo como borboleta voante.
Na simbologia cristã o milagre do milho de pipoca está representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro. “Morre e transforma-te!” — dizia Goethe.
Em Minas, todo mundo sabe o que é piruá. Falando sobre os piruás com os paulistas, descobri que eles ignoram o que seja. Alguns, inclusive, acharam que era gozação minha, que piruá é palavra inexistente. Cheguei a ser forçado a me valer do Aurélio para confirmar o meu conhecimento da língua. Piruá é o milho de pipoca que se recusa a estourar. Meu amigo William, extraordinário professor pesquisador da Unicamp, especializou-se em milhos, e desvendou cientificamente o assombro do estouro da pipoca. Com certeza ele tem uma explicação científica para os piruás. Mas, no mundo da poesia, as explicações científicas não valem. Por exemplo: em Minas “piruá” é o nome que se dá às mulheres que não conseguiram casar. Minha prima, passada dos quarenta, lamentava: “Fiquei piruá!” Mas acho que o poder metafórico dos piruás é maior. Piruás são aquelas pessoas que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar. Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas serem. Ignoram o dito de Jesus: “Quem preservar a sua vida perdê-la-á”. A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém nem para si. Terminado o estouro alegre da pipoca, no fundo a panela ficam os piruás que não servem para nada. Seu destino é o lixo.
Quanto às pipocas que estouraram, são adultos que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande brincadeira…”Nunca imaginei que chegaria um dia em que a pipoca iria me fazer sonhar. Pois foi precisamente isso que aconteceu”.
Nas entrelinhas dessa poética que Perséfone me disse: “Fala pra eles que o destino não é ser piruá (Milho que não estourou. Destinado aos Campos Asfódelos. Local no submundo reservado aos insignificantes) Passar pelo Flegetonte (Rio de fogo) e pelas regiões mais infernais do tártaro (Expurgação) faz parte da caminhada para estourar como pipoca”.
A primavera anuncia transformação. Com a volta do sol em nossas vidas, ela trás a possibilidade de mesmo nos sentindo o milho mirrado pouco desenvolvido, renascermos para a vida, estourando como pipocas na panela.
Correspondências magicas da pipoca
Regência planetária: Sol
Dia da semana: Domingo.
Cores: branco, amarelo.
Propriedades mágicas : cura, transformação, criança interior, trabalho das sombras, renascimento, honra aos mortos, proteção contra espíritos encostados, alegria, entusiasmo.
Que você se permita viver mais momentos felizes, assistindo filme, se reunindo com quem ama, comendo pipoca para celebrar a morte, o renascimento, a vida!
Referências:
ALVES, Rubens. A pipoca. 29 ago. 1999, p. 61-64
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