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Qual é o óleo essencial da bruxaria ctônica?

Se colocássemos em nossa refinada destiladora, ao fim do processo alquímico, qual seria a gota sagrada dessa vertente?

Qual é a essência da bruxaria ctônica?

Como sou apaixonada por alquimia, quando uma iniciante no caminho da arte obscura me perguntou isso, imediatamente visualizei um antigo laboratório alquímico do século X, repleto de potes de vidro contendo diferentes metais e elementos da natureza. Em uma área fresca, de frente para a janela, era possível ver o grande armário da criadora: o jardim, repleto de espíritos selvagens e botânicos carregados de segredos. Minha mente pensou… Se fôssemos coletar a bruxaria ctônica como uma planta nesse jardim e a colocássemos em nossa refinada destiladora, ao fim do processo alquímico, qual seria a gota sagrada dessa vertente? Qual seria o essencial que a torna um caminho diferente entre tantos outros que a bruxaria nos apresenta?

A alquimista, ao ver uma única gota de bruxaria ctônica no frasco, senta-se diante da bancada, arriando as saias e sorrindo. Eis o grande segredo da bruxaria ctônica: a própria transformação. A transmutação de qualquer uma das estruturas botânicas que compõem a alquimia. O processo de transformação da matéria, presente não só na natureza externa a nós, mas dentro de nós mesmos, a todo instante. Uma transmutação capaz de converter o chumbo corrosivo em ouro reluzente. É a gota, a destiladora, o jardim, a planta, a bruxa alquimista. O dentro e o fora.

Nada poderia definir melhor a bruxaria ctônica, além de seus toques e nuances helênicos, do que: “Ela é a bruxaria da transformação profunda e pessoal, através da integração entre luzes e sombras.”

Ora, mas isso não parece redundante, uma vez que toda bruxaria deveria nos conduzir a essa jornada? Deveria? Parece óbvio para quem se importa com o caminho da transformação pessoal pensar assim, mas, na prática, o desenvolvimento social e cultural do significado de “ser bruxa” não é tão simples.

Há realmente bruxarias e bruxarias. Caminhos com aspectos, valores e prioridades que nem sempre dizem respeito à jornada de integração da alma. Há vertentes, por exemplo, que se preocupam principalmente com poder e controle, sem necessariamente considerar o autoconhecimento ou o enfrentamento das sombras. Ainda dizem por aí que existem bruxarias onde a prioridade é a luz e o caminho da ascensão espiritual (embora eu não as considere). Existem também bruxarias mais comprometidas em repetir fielmente opressões ancestrais, sem se questionar se elas ainda fazem sentido para um caminho de consciência e para a compreensão das sombras que vão além daquelas que moram dentro de nós, as sombras sociais.

Sendo assim, precisamos considerar que, com o vasto campo de liberdade que a bruxaria proporciona aos seus adeptos, nem toda vertente bruxesca propagada hoje desprende o espírito do ego, conduzindo-nos ao confronto com a nossa própria escuridão.

Neste caminho amoral, há encruzilhadas de toda sorte, ou azar. Algumas bruxarias tornaram-se focos de ideias apelativas que corroboram restrições psíquicas e limitantes, criando, mantendo e alimentando o medo, a miséria, a covardia e a condição de mártir diante da nossa própria vida, uma maldição influenciada pelos tentáculos macabros do cristianismo e suas tramoias que flertam com o controle político e social.

De fato, podemos até pensar que, na raiz da bruxaria, mora a transformação genuína da alma, a constante transmutação cíclica das luzes em sombras. Mas não podemos ser tolos em acreditar que isso seja uma realidade universal. Vertentes são movimentadas por coletivos que compartilham valores específicos entre si.

É por isso que a bruxaria ctônica se destaca como uma vertente comprometida com a jornada de transformação profunda. Entre seus adeptos, há um consenso: nossas prioridades e focos são atividades, rituais, magias e conexões que viabilizam mudanças reais, sem placebos. Buscamos acessar os mistérios para tornar as transformações mágicas duráveis e perenes.

Por isso, na nossa jornada mágica, há uma forte presença de:

1. Celebrações Cíclicas

Nosso propósito é sentir o impacto da passagem do tempo, das estações e da lua sobre o nosso espírito, impulsionando processos de autoconhecimento e mudança. Para a bruxa ctônica, as celebrações cíclicas não são meras festas para reverenciar a natureza e os mitos, tampouco duram apenas um ou dois dias.

Celebrar a ciclicidade é acessar portais temporais por onde podemos aprender sobre nós mesmos através do poder desses ciclos. Deles, absorvemos magia e potencial para aplicar os mistérios na vida com eficiência, vivendo processos cíclicos que se desenrolam ao longo de semanas ou meses, convidando-nos a transformar sombras em preciosidades.

2. Culto à Morte

A morte é uma parte essencial do nosso processo mágico. Não basta querer e fazer sem analisar o que precisa morrer antes, para que nossos sonhos, objetivos e planos não sejam interrompidos.

Na bruxaria ctônica, a morte tem seu espaço e protagonismo, sendo reverenciada das mais diversas maneiras: desde cultos necromantes e conexão com espíritos até arte fúnebre como oferenda. Celebramos a morte em ciclos como o Peridípnon de Perséfone, o Deipnon de Hekate e a Descida ao Submundo no outono e inverno, além de magias frequentes de corte, enterro e finitude, realizadas a cada novo acontecimento de nossas vidas.

3. Conexão psíquica com os nossos guias

Embora busquemos conhecimento ancestral sobre as divindades ctônicas e seus cultos, não nos interessa apenas reproduzi-los como no passado. O que nos importa é como os mistérios dessas divindades se conectam com questões sociais e tabus atuais.

Não basta alimentar apenas o espírito: consideramos também o impacto que a magia e a devoção às divindades ctônicas exercem sobre nossa psicologia, comportamento e escolhas de vida. Nada na bruxaria ctônica é feito de maneira superficial. Por isso, não desconsideramos a ciência, ela se faz presente desde a biologia até a psicologia, auxiliando-nos a compreender a transformação pessoal através da mitologia dos deuses e deusas ao qual cultuamos. Nossos guias espirituais no caminho da arte da mudança de dentro pra fora.

Essa conexão psíquica com as divindades ctônicas nos permite ampliar o leque de possibilidade devocional, interligando práticas ancestrais helênicas e bruxas, com concepções profundas sobre como as divindades ctônicas se relacionam com os mistérios da mente e do nosso inconsciente.

Esses três pilares mostram como a bruxaria ctônica está intrinsecamente conectada à integração das polaridades: luz e sombra, dia e noite, acima e abaixo, vida e morte, em um constante ciclo de transformação.

Acredito que essa seja a gota sagrada da bruxaria ctônica.

Uma vertente comprometida com um caminho libertador, um solo fértil para quem não teme trabalhar arduamente para viver além da miséria que nos condicionam.

Agora me responda, bruxa:

Você deseja ter seus segredos revelados e suas sombras expostas em troca do poder necessário para realmente mudar sua vida?

Você está disposta a rasgar, torcer, morrer em vida e renascer quantas vezes for necessário com seus guias, para assumir seu protagonismo e parar de terceirizar problemas que deveriam ser enfrentados de frente, com mais fé e autoridade espiritual?

Se sim, então posso dizer com toda certeza: você encontrou o caminho certo. A bruxaria ctônica irá te esvaziar, te preencher, te fazer transbordar e viver a delícia de conhecer a si mesmo, enquanto usa a magia obscura como fonte para transformar sua vida.

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